quarta-feira, 2 de março de 2016

Peça de Lope de Vega: “Adonis y Venus”

“Adonis y Venus”


Texto completo:
http://artelope.uv.es/biblioteca/textosAL/AL0474_AdonisYVenus.php


Venus and Adonis (Charles-Joseph Natoire -1740)

Personagens (11 atores e 5 atrizes + figurantes):
Menandro e seu amigo Timbreo
Camila e sua amiga Albania
Frondoso, o gracioso
Apolo, o deus
A deusa Venus e o seu filho Cupido
Adonis
Atalanta e seu amado Hipómenes
Tebandro, amigo de Hipómenes
Narciso, Jacinto e Ganimedes, amigos de Cupido
Fúria Tesifonte, uma eumênide do castigo
Outras ninfas

Destino e Liberdade

“Adonis y Venus” é a primeira comédia mitológica de Lope de Vega (1562-1636) e foi escrita entre 1597 e 1603, tendo sido publicada pela primeira vez em 1621, embora já tenha aparecido na lista “El peregrino en su pátria” (1604). A peça não foi escrita para ser encenada nos corrales, mas nos salões dos palácios, pois, nos últimos anos do longo reinado de Felipe II, os teatros estavam fechados na corte. Para a publicação, o autor dedicou a obra a D. Rodrigo de Silva, sobrinho do Duque de Pastrana, o Sr. D. Ruy III Gómez de Silva y Mendonza de la Cerda. Ele cita a apresentação da comédia “El prêmio de la Hermosura”, que aconteceu em 3 de novembro de 1614, no palácio de Lerma, da qual tomaram parte como atores a família real, incluindo o futuro rei Felipe IV.

Escrita sobre a narrativa do Livro 10 de “Metamorfoses”, de Ovídio (43 a. C. – 18 d. C.), a história promove um debate sobre destino e liberdade: o quão livres para escolher – e responsáveis por seus atos – são os homens (ou deuses personificados) ou o quanto devemos nos subjugar às decisões divinas ou aos instintos naturais. Vale lembrar, a título de curiosidade, que, no fim do século XVI (25/04/1598), em Madrid, Lope de Vega havia se casado em segundas núpcias com a rica Juana de Guardo, mantendo seu romance com a atriz Micaela de Luján em Toledo.

Chamada de tragédia na dedicatória e de tragicomédia no fala final, há três narrativas paralelas em “Adonis y Venus”. Na primeira delas, em separado, os pastores Timbreo e Menandro e as pastoras Camila e Albania estão indo consultar o deus Apolo acerca do sucesso de seus empreendimentos amorosos. Há também a trágica história da ninfa Atalanta e de seu casamento com Hipomenes e, por fim, o embate entre Venus, seu filho Cupido, seu amante Adonis e o próprio deus Apolo. No meio disso tudo, a desventura de Frondoso, o personagem gracioso.

O diálogo de abertura do primeiro ato acontece no caminho do altar do deus Apolo. Na conversa entre Timbreo e Menandro, fica-se sabendo que os dois estão apaixonados por Camila, embora o primeiro pense que é à Albania que o amigo se refere. Entra depois a ninfa Atalanta que também está a caminho do altar de Apolo. Ela também consultará o deus sobre seu destino em relação ao amor. Na sequência, apaixonadas por Adonis, em direção ao mesmo lugar e com as mesmas intenções, Camila e Albania se encontram com Timbreo e com Menandro.

CAMILA
Timbreo,
Albania, con él está.

ALBANIA
¿Qué querrán saber de Apolo?

CAMILA
Lo que nosotras también.

Por fim, também em busca do templo, aparece Frondoso com um pássaro vivo na mão. Diferente dos outros personagens, ele não quer saber sobre seu destino amoroso, mas intenta desmascarar o deus Apolo com uma trapaça. Ele pretende mostrar a ave para Apolo e perguntar-lhe se está viva. Se ele disser que sim, Frondoso a matará, provando ao deus que ele estava errado. Se ele disser que não, mostrará o pássaro vivo. Antes, ele espera que observar as conversas entre Apolo e os pastores.

O primeiro a consultar o deus é Timbreo.

TIMBREO
Dime, sagrado Apolo,
divino autor del día:
¿ama la prenda mía,
o a mí me quiere solo?

APOLO
Lo que tu prenda quiere,
ausente vive, y por su ausencia muere.

Com isso, Timbreo descobre que Camila não o ama. E sai. Depois, entra Menandro, que tendo escutado a conversa entre o amigo e o deus, percebe que também não é o amado de quem ama. A pergunta de Menandro ao deus é mais obscura e a resposta recebida não menos. Apolo afirma ao pastor que o amor alcança tudo. À Camila, Apolo diz que sua espera é em vão. E à Albania, que como sua amiga também ama Adonis, o deus aconselha esquecer. Irritada, ela dá uma resposta ríspida antes de sair do templo.

ALBANIA
¿Tú eres Apolo santo?
No en vano Dafnes te aborrece tanto.

Na mitologia, Apolo mandou a ninfa Dafne em árvore por não amá-lo. Contemporânea de “Adonis y Venus”, há o texto “La fabula de Dafne”, cuja data exata e autor não são conhecidos.

Frondoso, ao final, se aproxima de Apolo. Para ele, o deus não foi benevolente com os pastores porque esses não lhe trouxeram nenhum sacrifício. Ao fim da cena, Frondoso, cujas traquinagem é percebida por Apolo, reconhece a sabedoria do deus e a ele pede em vão por clemência. Apolo avisa que ele, aos poucos, ganhará nova aparência como castigo pelo que fez.

Na terceira parte do primeiro ato, Atalanta está diante de Apolo.

ATALANTA
Pues he quedado sola con Apolo,
quiero saber qué dice a mi deseo;
que en él espero mi remedio sólo.
Dime, supremo autor de cuanto veo,
filósofo divino, sol hermoso,
Délfico, Delio, Cintio y Didimeo,
¿será mi casamiento venturoso?

APOLO
Tarde, Atalanta, y con peligro.

No texto de Ovídio, Apolo é taxativo em dizer que Atalanta há de se perder se se casar. Na versão lopesca, o deus é menos claro. De qualquer modo, lá como aqui, a ninfa decide não se casar e viver nas montanhas.

Na sequência, a deusa Venus (chamada de Afrodite na mitologia grega) está junto ao seu filho Cupido (na Grécia, Eros). Os dois estão brincando e a mãe pede que ele tenha cuidado com suas flechas, sugerindo que ele vá matar mariposas. Irritado, o menino não gosta do que ouve:

CUPIDO
Admira
que mandes ejecutar
flechas de amor, armas de ira,
en aves simples, señora;
porque yo a las bravas tiro,
donde la fiereza mora.

E sai querendo mostrar à mãe o real poder de suas armas. Entra, então, Camila que, não reconhecendo a deusa Venus, chora com ela sua desilusão. A pastora narra a história do nascimento de Adonis, seu amado, que Venus, na verdade, conhece bem. No passado, a deusa fez com que a jovem Mirra se apaixonasse pelo próprio pai, o Rei Ciniras (neto de Pigmalião o com a Estátua). Por causa desse sentimento, a princesa resolveu tirar a própria vida. A história mudou quando uma babá contou ao rei que havia uma jovem apaixonada por ele, mas cuja identidade não poderia ser descoberta. Sem saber de quem se tratava, o Rei dividiu a cama com sua filha durante doze noite. Dessa relação, nasceu Adonis. Mirra foi transformada em árvore cujo perfume (suas lágrimas) se tornou célebre.

Ao fim da narrativa de Camila, Adonis entra com Cupido em seu encalço. Para vingar-se da mãe, ele atira nela uma flecha, fazendo com que Venus se apaixone por Adonis. E sai. Sentindo os efeitos do encanto, a deusa pede que Camila se afaste, prometendo encontrá-la em seguida. Sozinhos, Venus e Adonis falam sobre o amor.

VENUS
Desde agora
sabrás qué es amor, sabrás
querer bien a quien te adora.

ADONIS
¿Qué es amor?

VENUS
¿Amor?... Deseo.

ADONIS
¿De qué?

VENUS
De lo que es hermoso.

ADONIS
Luego ¿querré lo que veo?

VENUS
Si te agrada.

ADONIS
Eso es forzoso.

O diálogo deixa claro que os dois sabem que o amor entre uma deusa e um humano não se dá da mesma forma que entre iguais. Adonis sabe que Venus é casada com Vulcano e que teve Cupido com Marte e também que ela é amada por Apolo. No texto, porém, não fica claro que ele saiba que o destino de sua mãe foi causado por um encanto da deusa. Com medo de almejar mais do que deve, Adonis cita Faetón, filho morto de Apolo, que caiu em desgraça por ambição. O primeiro ato termina com Venus apaixonada por Adonis e ele disposto a correspondê-la.

O segundo ato começa com um diálogo entre o galã Hipómenes e seu amigo Tebandro sobre uma caçada. Eles avistam os pastores Timbreo e Menandro e esses comentam com ele sobre a ninfa Atalanta que eles acabaram de conhecer. Contam também que, querendo ver-se livre de pretendentes, ela aposta com eles corridas, prometendo-se entregar-se a quem vencê-la. Tão veloz que ela é, no entanto, ninguém consegue fazê-lo de modo que ela continua livre do destino triste que a espera se ela se casar. Sem tê-la jamais visto, Hipómenes se pergunta sobre quem haverá de ser louco a querer casar-se com a dita, mas ele acaba por se interessar pelo desafio e se apaixona por ela quando a vê entrando ao lado de várias outras ninfas cantando sobre ela uma canção.

De longe, Atalanta vê Hipómenes e também se apaixona por ele, mas, no primeiro diálogo entre eles, ela diz ter medo de fazê-lo mal dado o destino que espera por ela.

ATALANTA [Aparte.]
Mira que la muerte esperas.

HIPÓMENES
Yo he de morir.

ATALANTA
¡Qué dolor!
¡Qué mal tu edad consideras!

HIPÓMENES
Acaba ya.

ATALANTA
Yo no quiero.
¡Jueces!...

HIPÓMENES
¿O es ley, o no?

MENANDRO
Ley es.

HIPÓMENES
Pues si es ley, ¿qué espero?
Vencida se confesó.

ATALANTA [Aparte.]
Hoy le doy la muerte, hoy muero.

Antes que Atalanta e as ninfas se vão, Hipómenes promete vencê-la na corrida e ganhar-lhe o coração. E afirma que o fará com a ajuda da deusa Venus. Quando ele está sozinho, o cenário muda e vê-se a deusa entrar e oferecer sua ajuda a Hipómenes. Ela afirma que Atalanta, de fato, é muito veloz e não pode ser vencida nesse aspecto, mas há algo que é possível fazer. Venus dá ao herói três pomos de ouro e pede a ele que, no meio da corrida, ele os jogue no caminho. A beleza deles chamará a atenção da ninfa que naturalmente ficará mais devagar e perderá assim a peleia.

Na segunda cena do segundo ato, Cupido e seus amigos Jacinto, Ganimedes e Narciso entram brincando. Cupido os adverte de que seus jogos não como os de crianças, mas jogos “de foto” em que se pode se queimar. Aparece também Frondoso, se lamentando por sofrer o castigo de Apolo por sua traquinagem. Ele diz, em um solilóquio, estar mudado, triste, amuado. A cada vez que ele se mira, se vê como um bicho diferente: um elefante, um touro, uma serpente... Ao tentar colher mel, Cupido é picado por uma abelha e chora por sua mãe, que reaparece. Ela ameaça de levá-lo para a escola como castigo, culpando o filho por estar enamorada de Adonis. Eis que o filho lhe responde, queixando-se da culpa que todos julgam que ele tenha sozinho:

Quedo, madre, que yo os digo
que no soy sólo el culpado
de tus locos desatinos.
Todos se quejan de amor,
¡ya he visto versos y libros!
porque todas sus flaquezas
quieren disculpar conmigo.

Por fim, Cupido promete se vingar da mãe que não o livrou da dor da picada da abelha, descontando sua fúria em Adonis.

Volta, então, Frondoso que é reconhecido por Venus, embora ele não a reconheça. Ele narra a corrida em que perdeu Atalanta e o casamento dessa com Hipómenes.

La que, como has oído, fue tan áspera,
a cuantos en el curso ligerísimo
pudo vencer, dio en pena muerte infelice,
corrió esta tarde con el bello Hipómenes;
pero valióse de una industria el príncipe,
que tres manzanas, más que las Hespérides,
que Medea guardó con arte mágica,
le fué arrojando entre las plantas ágiles;
con que, mientras la ninfa iba cogiéndolas,
ganó el laurel tan digno de sus méritos.
Diéronsela sus padres sin escándalo,
Y celebróse allí la boda espléndida,
a que han venido en infinito número
habitadores destos campos fértiles.

Quando vai embora Frondoso, entram Hipómenes e Atalanta que estão recém casados e não veem a deusa que permanece em cena. Despertando a fúria de Venus, o noivo não reconhece a ajuda divina que recebeu.

HIPÓMENES
Aquí hay un templo.

ATALANTA
No ofendas
su divina religión.
Mira que de Venus es.

HIPÓMENES
¿Qué es Venus?

ATALANTA
Venus es diosa,
y reina de amor.

HIPÓMENES
Después
que yo te vi más hermosa,
pongo esa diosa a tus pies.
No hay Venus ya, ni de amor
otra diosa que Atalanta.

Para se vingar, quando eles entram no templo, a deusa os transforma em leões. E assim termina o segundo ato.

O terceiro ato começa com um diálogo entre Cupido e Apolo em que o primeiro pede que o deus o ajude a se vingar de sua mãe, dado o comportamento lascivo dela. Apolo, de início, recrimina o Cupido, mas depois concorda em ajudar-lhe. O tema da peça se expressa claramente na pergunta de Apolo:

Esto vi, mas sospeché
que era sólo amor, Cupido.
Pero si tú la has herido,
culpa de tus flechas fue,
¿cómo a Venus se la pones?

Em outras palavras, se Venus está apaixonada por Adonis porque foi encantada, como pode ela ser culpada por esse sentimento? E com que justiça seria punida? Então, Cupido responde que sua mãe quer castigar-lhe mandando-o para a escola - ele já sabe ler e escrever, compondo versos de amor – onde ele poderá ser chicoteado pelo professor. Nisso, Apolo concorda em matar Adonis.

Sozinho, Apolo pede a ajuda de seu tio Plutão para punir Venus. Aparece Tesifonte, a quem o deus pede que envie um javali para acabar com Adonis. Em troca, ele promete cem libras.

Na cena seguinte, Venus adverte seu amado Adonis para que tenha cuidado ao sair em caçada, dizendo que há leões que podem querer vinga-se dela ferindo-o. Ele, assumindo sua masculinidade, sai apesar de suas súplicas. As últimas palavras de Apolo são os versos que ficarão célebres no monólogo de Segismundo em “A vida é sonho” (1635), de Calderón de la Barca:

ADONIS
Por serlo desde este día,
si por eso lo he de ser,
al sueño y su fantasía
te prometo no creer,
mas a la fe, madre mía.

VENUS
Eso está puesto en razón.
Vete a cazar.

ADONIS
Bien podré,
sin que me cause pasión
con su temor; que bien sé
que los sueños, sueños son.

Na sequência, Apolo perdoa Frondoso, livrando-o da maldição, pedindo a ele um favor: que ele atraia Adonis para onde o javali possa atacá-lo. Apaixonado por Camila, ele aceita contribuir para eliminar o inimigo.

Frondoso encontra Adonis junto à Camila e à Albania. Elas declaram seu amor a ele, mas ele as rejeita, o que as deixa irritadas:

ALBANIA
¿En qué montañas ásperas naciste?

CAMILA
¿Qué tigre te dio leche, qué leona?
¿Qué Cáucaso engendró tu basilisco?
¿En qué desierta, inhabitable zona,
en qué Libia aprendiste
esta crüel dureza?

ALBANIA
¡Oh, más duro que risco
en las ondas del mar inexpugnable!

CAMILA
¡Oh, más fiero que el viento embravecido
en los Euripos donde brama Scila!

Frondoso desafia Adonis, instigando sua bravura. Os dois saem e surgem os dois pastores. Nessa cena, Camila e Albania, desistindo de Adonis, enamorar-se-ão respectivamente por Timbreo e por Menandro. O segundo apaixonar-se-á por Albania e todos ficarão felizes. Importa à narrativa que as decisões pessoais imperarão sobre os destinos, recaindo sobre os homens a responsabilidade por seus atos.

Ouvem-se os gritos de dor de Adonis sendo atacado pelo javali. Entra, então, Frondoso com o corpo morto de Adonis nos braços. Ele se lamenta. Entram Venus e Cupido e todos se lamentam também. A deusa descreve o sangue de seu amado manchando as rosas brancas e tornando-as vermelhas. Ela anuncia sua pretensão de não mais ter com homem algum, tornando-se monja. Assim termina “Adonis y Venus”:

VENUS
Ya para mí murió el mundo,
galas, músicas y trajes.
Todo se acabó en Adonis,
que muerto a mis ojos yace.
Con él se acabó mi vida,
y comienzan mis pesares.

TIMBREO
Y aquí la Tragicomedia
del bello Adonis acabe.

*

Fontes de pesquisa:
ARMAS, Frederick A. de. Adonis y Venus: hacia la tragédia en Tiziano e Lope de Vega. In.: ARMAS et alii. Hacia la tragedia áurea: lecturas para un nuevo milênio. España: Iberoamericana, 2008. p. 97-114.

BERBEL, Juan Antonio Martínez. El mundo mitológico de Lope de Vega: Siete comedias de inspiración ovidiana. 2002.893 f. Tese (Doutorado em Literatura Espanhola) – Departamento de Literatura Española, Universidade de Granada, Espanha. 2002. p. 57-188. Disponível em: http://hdl.handle.net/10481/4414 Acesso em 01/03/2016.

DIPUCCIO, Denise M. Comunicating myths of the golden age. Lewisburg: Bucknell Univ Pr, 1998. p. 58-71.

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