quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Por que estudar o Século de Ouro? - Reflexões iniciais I

Querido diário, 

Na semana passada, fiquei sabendo que passei em 1o lugar na seleção para doutorado em Letras – Estudos Literários / Línguas Neolatinas na UFRJ. Nem acreditei quando vi minha colocação, essa em que eu esperava que ser tão inferior. 1o lugar!!!! Então, comecei a refletir sobre a seriedade dessa nova fase acadêmica e cá estou a pensar, a ler, a escrever sobre o tema. Hoje me pego pensando no porquê estudar o século de ouro espanhol. E acho que a primeira e mais importante resposta é que, quanto mais eu descubro sobre aquela época, mas feliz eu fico com a minha em que vivo/vivemos. Era uma sociedade muito codificada, muito enrijecida e que lembra vagamente a nossa em alguns aspectos, mas está felizmente distante. Filho de quem sou, vindo de onde vim, eu jamais teria acesso ao que tive e tenho em todos os aspectos da minha vida. Dada a minha natureza sexual ou aos meus ímpetos vitais que também me caracterizam, devo pensar a mesma coisa.



Assim, descobrir como era a estratificado aquele teatro e aquela sociedade dos séculos XVI e XVII e principalmente sentir como a questão social influenciava tão fortemente a condução da individualidade me fazem ver facilmente a riqueza do momento em que tenho a graça de viver hoje em dia. E ser grato por ele! E eu sei que o nosso mundo só é esse porque, sobre ele, estão as lágrimas e o sangue de diversos antes de nós. E é preciso que tenhamos coragem para também deixarmos nossas decepções e dores embaixo do lugar onde o sucesso das futuras gerações será construído (talvez sem nem a lembrança da nossa existência). Essa coragem precisa ser grande, pois vivemos em um mundo em que os erros são escondidos, as falhas esquecidas e só o prazer da vitória tem qualquer destaque. Que a tenhamos com a força merecida!

A honra que antes colocavam os homens uns contra os outros hoje já pode antes colocar o ser humano contra si próprio. E, se a humanidade que é possível nascer desse embate estiver disposta a primeiro dar ao homem a chance de se perdoar e, depois disso, ainda perdoar o outro para só então ver o alheio como também alguém em seu próprio conflito interno, elegendo, como nós outrora fizermos, as prioridades nessa existência, então ela será o diferencial para um mundo mais fraterno, mais justo e especial.

É preciso, pois, que nos orgulhemos do que estamos fazendo ou ao menos deixarmos acender em nós e em nossos projetos a chama capaz de fazer ver a verdadeira luz por trás e para adiante de nossas interrogações. “Brilhe vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus! (Mt 5,16)

Que eu consiga, entrando nesse universo novo para mim e entre meus pares, ser digno daqueles que torcem por mim e desejam que seus esforços por sobre mim não sejam inúteis.

Há muito o que aprender com o século de ouro!

Avante!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Peça de Lope de Vega: “¡Ay, verdades, que en amor...!”

“¡Ay, verdades, que en amor...!”





Personagens (4 atrizes, 4 atores, mais figurantes):
Celia e sua criada Inés
Juan e seu criado Martín
García e seu amigo Alberto
Clara e sua criada Julia
Liseo, criado de Celia
Laurencio, o escrivão
Pradelio, Leoncio e Leandro, que guerream contra Juan
Fulvio, Dario, Perseo, Albano e Damas, que são passantes saindo do teatro
Músicos, que vão tocar no casamento de Celia e de García

Uma comédia frívola

O texto foi escrito em 1625 e publicado dez anos depois em “Veintiuna parte verdadera de las comedias de Lope de Vega Carpio”. É uma comédia frívola, em três atos em que dois homens, Juan e García, alternadamente ganham e perdem o coração de Celia, a protagonista. Em conflito, está sempre o que se sente e o que se deve ser feito. Quase sempre, o amor fica em segundo plano, mas no final ele vence. Não se pode dizer que há vilões, embora haja mentiras. As intenções, no entanto, desculpam os feitos. Uma encenação pode fortalecer o protagonismo de Juan em relação ao personagem García, mas o texto não descaracteriza o segundo de todo modo. Ao contrário, é graças a ele que o final é feliz. Destaca-se ainda o valor dos criados Inés e Martín, (quase) sempre dispostos a bravamente defender seus amos e estimulá-los a não desistir do amor. 

Toda a peça se passa em Madrid. O primeiro ato abre com um diálogo entre Celia e Juan, ela acompanhada de sua criada Inés e ele de seu criado Martín. Juan Guerra (senhor de Montaña) reclama o coração de Celia, uma dama, mas ela o recusa, chamando-o de leviano. Celia:



Estraños los hombres son,

pues sin ver una mujer,

su casa quieren saber.
¡Qué liviandad! ¡Qué traición!
Aquí no obliga afición,
pues no amáis lo que no veis;
luego de liviano hacéis
esta necia diligencia
¿o por ver mi resistencia
tanta codicia tenéis?

Em seguida, vê-se Don García pedindo a jovem Clara que o ajude na conquista de Celia, a quem ele já enviou umas cartas e seu retrato. É quando o leitor descobre o porquê Celia recusou o amor de Juan. García, dizendo que Celia é “a lua, o mar, a luta (porfia), a mudança e a traição”, pede que Clara procure Celia e confesse-se apaixonada por ele. Vaidoso, com isso, ele espera que Celia fique ainda mais apaixonada. García:

Tú, pues, no como tercera,
que tienes muy poca edad
para vender voluntad,
sino en razón de primera,
has de fingir que, celosa,
a Celia vas a rogar
que no me permita entrar
en su casa, porque es cosa
que suele al mayor desdén
tocar al arma en el alma
y al sueño de mayor calma
despertar a querer bien.
Añadirás a estos celos
las partes que no hay en mí,
con que envidiosa de ti
abrirá puerta a desvelos,
que celos y privación
y el ver que me adoras, Clara,
y que tu talle y tu cara,
calidad y discreción
desprecio por su desdén,
hará por dicha en su fría
condición más batería
que haberla querido bien.

Na cena seguinte, Celia e Inés conversam quando três homens (Leoncio, Padelio e Leandro) entram em uma briga de espadas contra Juan, mas esse se protege na casa de Celia, sem de início reconhecê-la. É Inés quem reconhece Juan e depois é Martín quem reconhece Celia. Enquanto Celia se mostra “tocada” pela bravura de Juan, Martín e Inés também se aproximam: amos com amos, criados com criados. Um outro criado de Celia (Liseo) aparece, dizendo que Clara e sua criada Julia estão à porta.

Clara mente para ela que a inveja porque García, que antes havia se interessado por ela, agora tinha dado à anfitriã seu coração. E, por isso, pede que ela não dê a ele confiança. Clara:

A quien de tal discreción
dotó el cielo, Celia mía,
basta decir que García
me tiene esta obligación;
que entre no será razón
en vuestra casa, y conviene
a vuestro honor, porque tiene
gracias que os han de engañar,
que del mucho confïar
la mucha deshonra viene.

Então, Inés anuncia a chegada de García e Clara e Julia e se escondem. Celia pede que Inés lhe traga as cartas que ele a havia escrito bem como seu retrato e os rasga, enxotando-o. Júlia pergunta a Ines se Martín deu a ela também cartas e retratos e Inés a compara com sua ama (Clara).

Na rua, Juan e Martín descobrem os pedaços das cartas de García e também seu retrato. Entre os passantes que saem do teatro (no texto, um deles cita Amarilis, a atriz María de Córdoba (1597-1678)), reconhecem García e esse lhes narra as desventuras com Celia, dizendo que irá embora para Milão afim de esquecê-la. O primeiro ato termina com Martín dizendo a Juan que Celia deve ter rasgado o retrato de García porque está apaixonada por seu amo. Martin:

¿No miras que esta mudanza
nace de estimarte?

O segundo ato começa com uma conversa entre Clara e Juan. Eles são amigos há anos e ele conta a ela que seu amor por Celia está adormecido, pois se assustou com o que lhe relatou Don García. Martín entra dizendo que Celia está a porta, mas Juan não a recebe. Martín diz que avisará que nem ele, nem seu amo estão em casa. Julia deixa claro a Martín que já sabe da história dele com Inés. Martín:

¿Cómo estamos de amistad?

Júlia:
Darele el revés de Inés.

García revela a seu amigo Alberto que escreverá à Celia como se estivesse em Milão e ele se oferece para entregar a carta, sugerindo ainda que haja uma joia para prometer falsamente à dama. García concorda.

Em sua casa, Celia está magoada com Juan, certa de que mentiram para ela. Ela se recente do modo como tratou Juan anteriormente. Inés sugere que ela finja que Don García lhe escreveu de Milão para ver como Juan reage, pois ele sabe que o adversário tem méritos.

Juan procura Celia, mas os dois estão magoados um com o outro e conversam cheios de reservas. Inés interrompe, dizendo à parte que Celia não precisará fingir carta alguma de García, pois uma verdadeira está nas mãos de alguém do lado de fora. Juan ouve o que se passa e, irritado, diz que a anfitriã deve receber aquele que chega do estrangeiro (cita o Brasil). Alberto entra com a carta de García e pergunta quem é o outro cavaleiro. Celia responde que seu nome é Juan. Alberto diz que uma joia espera por ela em nome de García e Inés se propõe a ir buscá-la. Quando Alberto vai embora, Celia e Juan se ofendem ainda mais, terminando com ela lendo a carta recebida em voz alta. Celia oferece a Juan a joia que ela ganhou, mas ele rejeita o “presente”. Depois que Juan e Martín saem, Celia diz que poderá aceitar o amor de Don García.

Juan e Martín estão conversando sobre o que aconteceu na casa de Celia quando Inés aparece e faz um discurso em defesa de sua ama. Inés:

Si tú no vieres a Celia,
está cierto que no intente
las locuras que hasta aquí,
que es infamia que desdenes
sufra una mujer hermosa
de un hombre, aunque un ángel fuese.
Las humildades que ha hecho
contigo, don Juan, te tienen
tan arrogante. ¡Mal haya
la mujer que os desvanece!
Castigo de su suberbia
fuiste, pero ya no quiere
sufrirte necio y galán,
discreto y impertinente.
Es mi señora muy linda
para que tú la desprecies,
muy rica para buscarte,
muy noble para quererte.
Pienso que no hablo en culto,
y si me entiendes advierte
que no te arrepientas tarde,
que hay muchos que la pretenden.

Na sequência, Alberto e Don García se vangloriam da vitória dos últimos acontecimentos e Inés conta a Celia o que disse a Juan. Celia fica ainda mais irritada com Juan por ele não ter se arrependido depois do que lhe dissera Inés. Juan e Martín entram e novas injúrias são trocadas entre Celia e Juan. Pela janela, um cortejo que Don García preparou para encantar Celia passa, evidenciando glórias falsas. Celia decide que ficará com Don García e o segundo ato termina com Juan dizendo que seus sentidos voltam a se movimentar. Juan:

A voces, Martín, confieso
que es la luz de aquestos ojos,
que es el alma deste cuerpo,
de mis potencias, acción,
y el primero movimiento
de mis sentidos, si ya
puedo decir que los tengo.

O terceiro ato começa com uma visita furiosa de Juan à casa de Celia ainda quando o sol mal nasceu. Ele exige falar com a dona da casa e, quando ela aparece, exige entrar em seu quarto para ver se García não está lá. Celia, de início, nega, dizendo que uma mulher honrada não pode deixar outro homem que não seu marido entrar no seu quarto. García e Alberto surgem à porta. Então, com medo de que eles encontrem Juan em sua casa ainda tão cedo, deixa que ele entre em seu quarto. Juan e Martín ouvem a conversa entre Celia e García, que trocam afetos. Quando García e Alberto vão embora, Juan e Martín saem do quarto de Celia desolados. Celia está furiosa e triste.

García e Alberto comemoram quando chega Inés com uma carta de Celia, dizendo que ela almeja se reencontrar com García. Quando a criada vai embora, os dois continuam festejando.

Triste, Juan se lamenta à janela de Celia e ela, com sua criada, escuta sem deixar-se ver. Juan: 

¡Ay, terribles desengaños,
cómo prometen los días
para breves alegrías
tristezas de muchos años!
¡Ay, dulces horas pasadas
que hacéis la pena mayor!
¡Ay, verdades que en amor
siempre fuistes desdichadas!
¡Ay, hierros de aquellas rejas,
quién os pudiera ablandar!

Clara conta para García e para Alberto que Celia aceita se casar e que sejam feitas as escrituras ainda nessa noite. Na rua, Juan e Martín veem Clara, García e Alberto passarem. Juan e García se miram, competidores. Clara, à parte, conta para Juan que Celia e García se casarão nessa noite. Juan sai e Clara e Martín ficam com pena dele. Celia aparece e deixa claro a Martín que ouviu os lamentos de Juan em sua janela. Celia:

¿Piensas tú que no le oí
decir las noches pasadas
a mis ventanas bañadas
de mi llanto y su dolor:
«¡Ay, verdades que en amor
siempre fuistes desdichadas!»?
Todo lo vi y escuché,
pero ya la suerte mía
me ha entregado a don García.

Quando Martín sai, Celia e Clara conversam e a primeira deixa claro que ainda ama Juan, mas se casará com García. Celia:

Yo me tengo de casar,
porque he venido a creer
que, si le vuelvo a querer,
me ha de volver a olvidar.

Na rua, Juan e Martín veem passar o cortejo de García para a casa de Celia. Quando entra Laurêncio, o escrivão, Juan o manda embora. Quando entram os músicos, Juan os ataca. Na confusão, García, Alberto, Inés e Celia e os convidados saem à porta. Juan pede para falar a sós com os noivos. Juan (à parte) diz a eles:

¿Es propio de la nobleza
si un hombre que se casara
con una dama supiera
que había querido a un hombre
un año con tal fineza
que, siendo los días dél
trecientos sobre setenta
y cinco, tantos papeles
puede mostrar de su letra,
y que con celos el alba
trocaba perlas con ella
porque, llorando las dos,
eran mejores sus perlas,
si se espantaba la noche
de ver el sol a sus puertas,
que el de sus ojos gustaba
de estar mirando por ellas?
y el que viniese a querella

García fica sabendo, pela boca de Celia e de Juan, que eles se amam. Vencido, García desfaz o casamento e se oferece como padrinho do enlace entre Celia e Juan. García:

Caballeros, yo he sabido
en este punto que es deuda
mía, de que nunca tuve
imaginación ni nuevas,
la señora Celia, y quiero,
ya que por serlo no pueda
casarme, que no se emplee
menos tan rara belleza
que yo en el señor don Juan
de la Guerra y de la Vega.
Esto suplico a los dos,
y que yo padrino sea.

E também de Martín e de Inés. Assim, termina a comédia.